Mais que uma tendência ou um conjunto de “receitas” para seguir, a humanização de marcas é uma restruturação que empresas realmente preocupadas em criar relações genuínas com clientes, colaboradores e fornecedores passam. Convidamos a Liliane Ferrari para contar como é possível humanizar uma marca.
Ano passado estive presente no RD Summit – Maior evento de Marketing Digital e Vendas da América Latina – e muito embora não fosse a temática central do evento, a Humanização das Marcas apareceu repetidas vezes nas falas de Ann Handley, April Dumford, André Siqueira, Bia Guarezi e muitas outras pessoas que não apenas admiro o trabalho, como são autoridades dentro de suas áreas de conhecimento. Todos eles, de uma maneira ou outra, trouxeram algumas pinceladas em seus talks para dizer algo um tanto até que óbvio: você faz marketing para pessoas, você vende para pessoas, você se comunica com pessoas.
E assim como eu, você deve saber – e perceber – que embora óbvio, exemplos de marcas dando “vacilos” é o que não falta. E nem é preciso ir tão longe e apontar o dedo. Se olharmos para dentro de casa, pode ser que em algum momento também nos esquecemos ou não priorizamos a humanização.
Entretanto, o mundo dá voltas (sorry, flat earthers) e cada vez mais começamos a ver as marcas precisando se posicionar – e comunicar – de forma mais humanizada. E ainda que seja clichê dizer que o consumidor está cada vez mais exigente por ter acesso a mais informação, é uma verdade.
Somado a isso, não podemos deixar de lado a transformação que estamos vendo acontecer diante dos nossos olhos: com essa exigência do público aumentada vem também uma considerável parte da sociedade em busca de um mundo mais igualitário e inclusivo, a política agora é uma pauta cotidiana nas nossas vidas e no mundo das fake news, ansiamos por verdade, transparência e honestidade. As coisas não se separam mais (ainda bem, ousamos dizer!).
E para falar sobre essa pauta tão latente num tempo em que o digital e o offline se fundem e os comportamentos se transformam, tive o prazer de entrevistar a Lili Ferrari, que palestrou exatamente sobre Humanização de Marcas lá no RD Summit, e que para mim, é uma das grandes autoridades sobre o tema no Brasil.
Prontos?
B.done: Teu trabalho é super focado na humanização de marcas, que, aliás, tem sido um tema bem recorrente no marketing. Pra começar (Lili sincerona) o que não é marketing humanizado? Onde você vê que as marcas mais pecam nesse sentido?
Lili: Tudo que marketing humanizado não é uma fórmula ou tutorial. Também não basta ser amigável e gentil na Comunicação e voilá! sua marca está humanizada.
Marketing Humanizado envolve um olhar amplo e humanista do todo. Funciona quando os negócios são totalmente centrados nas pessoas.
Não é um método, é um modo de ver o mundo. Depende primordialmente dos valores das lideranças que implementam a cultural organizacional.
Uma marca não é humanizada quando faz posts bonitos, nem mesmo quando trata com atenção os clientes, mas sim quando, além disso, também tem respeito e empatia com funcionários, mantém relações cordiais e equilibradas com fornecedores e parceiros.
Pecam as marcas que humanizam apenas sua expressão, e não sua estrutura (relacionamento e políticas com funcionários e fornecedores, parceiros).
E pecam as marcas que são super humanizadas nas relações e na estrutura, mas a Comunicação e o Marketing parecem feitos por robôs sem nenhuma inteligência artificial, aí sua expressão não é humana. Esse tipo de caso é o mais simples de colocar a humanização no Marketing implementada 100%.
Pecam também as que pensam que a humanização de marcas dispensa o uso de tecnologias como chatbots, contatos inteligentes, principalmente nos atendimentos.
Muito ao contrário do que muitos pensam, a tecnologia é nossa maior aliada quando falamos em escalar uma experiência. Ela nos auxilia a otimizar os processos, agiliza respostas, e customiza contatos pra que a marca proporcione um contato memorável não apenas para um ou outro cliente, mas para milhares de clientes.
Agora, é muito simples implementar quando se tem Ética e Empatia.
Para finalizar, acredito que precisamos de um processo de reumanização, pois foram décadas ouvindo que o bom era despersonificar pessoas, massificar, e vender de qualquer forma não importando nada nem ninguém, o mantra era: venda seja lá como for.
Então é claro que precisamos passar por uma desconstrução para nos reconstruir com novos valores.
B.done: Okay, agora que entendemos o que não marketing humanizado, por onde começar a humanizar a minha marca?
Lili: Se uma marca quer se tornar humanizada de verdade ela precisa estar disposta a rever todos os processos. De dentro pra fora. De como ela escolhe os fornecedores, se seu produto ou serviço é aprimorado com feedback de clientes, e principalmente o que ela faz que seja exemplar.
Tem muita gente que pensa que basta a marca ter uma expressão humanizada, saber conversar nas mídias sociais, postar uns memes, ter uma persona bem construída, mas isso não é o bastante. É preciso dar exemplos consistentes de quem age como um ser um humano realmente preocupado com o todo e mundo onde habita, principalmente nas horas de crise.
B.done: Pra você, quais as marcas que fazem a sua humanização com excelência, e que servem como exemplo a ser seguido?
Lili: Gosto muito do que o Magazine Luiza tem feito pela forma como é coerente. É tão didático mostrar como eles são humanizados real, olha só:
Expressão da marca: Magalu, personagem que extrapolou as fronteiras de ser um personagem mascote e hoje é digital influencer. Interage nas mídias sociais com maestria de uma persona bem construída em consonância com a Estrutura. E também temos a Dona Luiza Trajano que está sempre se posicionando como empresária. Cada momento tem uma ‘voz’ e ambas se complementam perfeitamente.
Magazine Luiza manda mensagens de felicitações de aniversário para clientes sem tentar fazer venda de produto, esse ato simples demonstra que uma marca humanizada interage plenamente, se relaciona de forma humana usando inbound marketing. Até porque nem tudo tem que ser feito pra venda imediata. Uma mensagem desse tipo alimenta a relação e aumenta o lifetime value do cliente.
Estrutura: A empresa Magazine Luiza construiu uma rede de apoio aos micro e pequenos fornecedores para fomentar suas vendas via ecommerce. Ser uma empresa humana não é só manjar de postar memes. É sobre como estão os parceiros, funcionários e fornecedores, num ecossistema equilibrado.
A marca dá exemplo? Aprimorou seu comércio social para ser uma opção para pessoas sem renda e prejudicadas durante a pandemia. Belo exemplo de quem não só se preocupa, mas faz algo efetivo em prol dessas pessoas. Outra atitude que mostra competência e humanidade na gestão é que a marca não demitiu ninguém durante a pandemia.
B.done: E falando de influenciadores. Eles podem ser uma maneira de humanizar a marca? Se sim, como?
Lili: Influenciadores só humanizam realmente se a marca tiver coerência nos outros quesitos além da expressão.
Quantas e quantas vezes a gente vê uma influenciadora falando de uma marca, fazendo uma publi e quando a gente vai ver a marca, ela mal responde comentários.
Gosto dos próprios empreendedores como influenciadores, sejam eles de PME ou de S/A, é bacana ver gente do outro lado que não seja garoto ou garota propaganda! Ver os gerentes das marcas trazendo o backstage pro front, vendedores, até clientes ajudam demais como prova social dessa humanização.
B.done: Em tempos de pandemia, crise, vários episódios sociais e políticos acontecendo. O que as marcas precisam ter atenção para não fazer besteira quando o assunto é humanização de marcas?
Lili: Pra nunca fazer besteira deve se ter ética, foco na empatia e na interação que tem com as pessoas: fãs, clientes, equipe, parceiros. Analisar friamente se seu serviço e/ou produto se encaixa nas limitações da pandemia e se cabe promovê-los, e sim como fazê-lo, como pode ser útil ou se deveria entreter.
Buscar aprofundar todos os relacionamentos, mas principalmente trabalhar de perto com a comunidade que já estabeleceu em seus perfis sociais. Pare de alimentar esse ciclo de mais e mais seguidores. Não é hora de ir atrás de ter mais um número no perfil, mas de criar laços fortes com os seguidores que a marca já tem. As marcas precisam de uma vez por todas entender que não se faz comunicação nem marketing sem considerar o contexto em que todos nós estamos imersos.
B.done: Para quem quer aprender mais sobre humanização de marcas, quais são as referências?
Lili: Por incrível que pareça o Marketing 3.0 e o 4.0 do Kotler já falam de um marketing menos agressivo e mais digno no sentido de que cada lead é uma pessoa:
“Pense no consumidor não em termos de alguém que vai comprar seu produto, mas que deseja que o mundo seja um lugar bom para viver. O que você está fazendo para mostrar a ele que se importa?” Philip Kotler.
Tem também o livro Hug your haters, how to Embrace Complaints and Keep Your Customers, do Jay Baer, que ensina como lidar com críticas, e problemas sem entrar na negatividade nem no block.
Eu não sei vocês, mas para mim, quanto aprendizado! Ufa!
Pessoalmente, o mais curioso de todo esse processo é que em essência, ele é muito simples. A humanização de marcas parte do princípio de sermos… humanos: com valores fortes, empatia, ter um olhar de cuidado para o outro. O que não deveria ser difícil.
Mas no fim do dia, quantas vezes não nos perdemos tentamos seguir à risca os manuais, receitas, olhamos para o processo e não para quem o executa ou quem é impactado? Acredito que o bate-papo com a Lili nos deixa exatamente com esse sentimento de reflexão (pelo menos aqui na B.done) sobre como podemos ser mais integrais, coerentes e humanos!
Na sua empresa, quais são os seus maiores desafios quando o assunto é a humanização de marcas? Que obstáculos são aos mais difíceis de derrubar?
Conta pra gente! Você pode começar uma conversa com a gente aqui para falar um pouco mais sobre as suas necessidades de humanização da sua marca. Topa?